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PEDRO EDUARDO RIBEIRO

06/12/2024 

As revistas de estilo de vida em Portugal têm vindo a assumir configurações diversas, numa altura em que muito delas passa pelo digital. Algumas mantêm-se em papel, outras desdobram-se em edições digitais, outras apostam nas redes sociais digitais e em sítios cibernéticos (Web) e outras ainda surgem apenas em papel. Apesar disto, o panorama português carateriza-se pela sua fragilidade, associada à concentração horizontal dos grupos em que tendem a inserir-se, dependência na circulação física e na publicidade ou a sua financização. Se, por um lado, se assiste à digitalização quer das publicações quer das redações, por outro lado, assiste-se à sua precarização e instabilidade. Estes contextos (editorial, mediático e económico) impactam nos textos e produtos semióticos (as capas das revistas) que os seus géneros semióticos (revistas de estilo de vida) potenciam. Nestas condições, discursos vários se potenciam, como de objetificação do corpo através da mobilização de pessoas e recursos semióticos vários de contextos digitais. Com isto, aponta-se para a emergência de identidades neoliberais transmédia a partir de revistas de estilo de vida, com um potencial objetificador do corpo. Veja-se isto com o caso da Women’s Health de Portugal.


Atente-se no Global Media Group (GMG). Recentemente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) portuguesa suspendeu os direitos de voto do fundo do World Opportunity Fund no GMG, dada a sua “falta de transparência”. O grupo saiu com prejuízos em 2022 e sucederam-se várias vagas de despedimentos, entretanto com aprovação da entidade reguladora nacional para aquisição por parte da Notícias Ilimitadas. Daquele grupo fazem parte jornais históricos como o Jornal de Notícias ou o Diário de Notícias ou a rádio TSF, bem como revistas como a Women’s Health e a Men’s Health. Estas correspondem a duas marcas globalizadas, sob uma parceria com o grupo dos Estados Unidos da América Rodale Inc.

Em Portugal desde 2015 e 2001, orientadas demograficamente para representações marcadamente genderizadas de ser-se mulher e de ser-se homem e uma noção de viver a vida com atitudes e práticas saudáveis, respetivamente, aquelas revistas inserem-se em correntes ideológicas neoliberais. Por outras palavras, pelo alcance do bem-estar individual através da institucionalização económica, legal e política da liberalização da propriedade privada, dos mercados e do comércio enquanto livres para tomarem decisões e promoverem representações. As revistas de estilo de vida, hegemónicas, globalizadas e padronizadoras podem ser associadas quer quanto às tendências editoriais quer quanto às representacionais, à sua industrialização e orientação para o lucro, comodificando as representações promovidas.


As representações levam as pessoas visionadoras e/ou leitoras das revistas a identificarem-se com elas. Existem modelos digitalmente trabalhados e apresentados que comportam crenças, valores e comportamentos, os quais fazem as pessoas identificarem-se ora mais ora menos, mediante as suas próprias formas de identidade, diferenciando-se pela faixa etária, pelo género ou pela sua racialização. Traduzíveis multimodalmente, as identidades transmédia correspondem àquelas que se geram nos vários contextos físicos e digitais através da produção de textos, de atos comunicativos, e do desenvolvimento de narrativas, inclusive pelas próprias empresas relacionadas, quer com as plataformas quer com os domínios ou as aplicações em causa. No caso das revistas, exemplificando, uma revista que lance uma celebridade na capa e esta publicar algo numa dada rede social digital pode fazer com que surjam vários comentários e até outras publicações sobre aquela mesma capa. Constroem-se, potencialmente, identidades transmédia. Sem esquecer a importância do Marketing, da publicidade, enquanto modelo de sustentabilidade económica, e mesmo das celebridades, enquanto impactantes na construção da visualidade mediática.

 

Concretamente sobre identidades neoliberais e o digital, é possível apontar-se para a forma como as revistas supracitadas recorrem a personalidades de largo alcance digital e ambicionam alargar igualmente o seu próprio alcance. Um exemplo que pode ser dado (conferir trabalho já realizado na íntegra aqui) é o de Helena Coelho, uma influenciadora digital portuguesa com mais de 500 mil pessoas seguidoras na sua página da rede social Instagram. A influenciadora foi capa da edição impressa em julho/agosto de 2020 e a essa capa gerou repercussões várias, associadas à magreza do seu corpo e à sua transformação para a capa, umas mais positivas, outras mais negativas. Esta primeira página levou à abordagem de humor numa rubrica radiofónica, que denunciou esse lado mais negativo. Mesmo assim, a capa foi um sucesso, esgotando uma primeira versão e lançando duas mais no mesmo período temporal. O potencial objetificador sai reforçado, com o enfoque no corpo e a mobilização de vários recursos semióticos de enfoque no corpo, contribuindo para a sua representação e equiparação a um objeto.


Outro caso exemplificativo foi o da humorista portuguesa Bumba na Fofinha, celebridade digital reconhecida com mais de 500 mil pessoas seguidoras na sua página da rede social Instagram. A sua aparição na capa da Women’s Health, em setembro e outubro de 2022, apresentou o seu corpo pouco depois de ter dado à luz à sua filha, com celulite, veias visíveis e vestuário de maternidade, distinguindo-se de outras que primam por representações mais padronizadas. No entanto, a identidade neoliberal e transmediaticamente orientada pode ser aqui depreendida pela capacidade de a revista trabalhar a noção de aceitação do corpo através de uma pessoa célebre e da exaltação de um corpo natural em contradição com edições prévias e inclusive posteriores. Na edição impressa, a própria humorista admite pressões várias sobre o corpo posta sobre as mulheres, inclusive no âmbito da produção para aquela revista. O corpo como objeto comodificador. 

Constata-se, por conseguinte, que as revistas de estilo de vida vêm mobilizando conhecimento e pessoas de alcance digital estrategicamente para monetizarem a sua atividade, bem como fortalecerem a sua identidade, sob tendências neoliberais e transmediáticas. Desvendando-se ideologias através do estudo dos discursos, promovem elas ideais, como o caso de um determinado estilo de vida saudável, que estimulam nas pessoas que interagem com as revistas um desejo de identificação e de alcance de determinadas representações nas suas vidas. Visa-se atrair atenção mediática e social e vender exemplares e subscrições digitais, numa altura em que a circulação física tende a decrescer e a digital não acompanha a perda desta. Com isto, uma pergunta persiste e finaliza este ensaio em jeito de reflexão: até que ponto a construção de identidades com orientações neoliberais e transmédia em relação com o potencial objetificador enquanto estratégia vão conseguir manter as revistas em atividade?

Pedro Eduardo Ribeiro is a PhD student in Communication Sciences at the University of Minho, in Portugal, and PhD fellow at the Communication and Society Research Centre. He was a visiting scholar at the Centre of Discourse Studies from January to April 2024. 
E-mail: pedurib@gmail.com 

 

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